Repórter de Negócios
Publicado em 9 de maio de 2025 às 09h13.
Última atualização em 9 de maio de 2025 às 15h02.
No auge da enchente que paralisou Porto Alegre em maio de 2024, a fábrica da Coca-Cola Femsa na zona norte da cidade virou um retrato da devastação.
Em poucas horas, a planta industrial de refrigerantes, que produzia 10 milhões de caixas por mês, foi tomada por três metros de água. Tudo parou.
A unidade, uma das mais importantes da operação brasileira da Femsa, abastecia todo o Rio Grande do Sul. Além da produção, o centro de distribuição também estava ali. O colapso foi total.
Desde então, a empresa mobilizou um mutirão que envolveu equipes do Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai para manter o abastecimento. E agora, dez meses e com um investimento de 675 milhões de reais depois, a fábrica renasce, com tecnologia renovada, capacidade total e uma história que virou símbolo de resiliência industrial.
“Conseguimos reconstruir uma planta inteira em dez meses. Isso não tem paralelo no mundo. Foi como erguer uma fábrica do zero”, afirma Mario Cesar Schafaschek, diretor de supply chain da Coca-Cola Femsa Brasil.
O desafio agora é transformar a recuperação em motor de crescimento. A nova fábrica tem mais robôs, gasta menos água e energia, e já opera com seis linhas ativas. Até junho, deve atingir os 10 milhões de caixas mensais de capacidade. Em abril, já chegou a 6,2 milhões.
No sábado, 2 de maio de 2024, a fábrica operava normalmente. As primeiras notícias sobre risco de rompimento de diques em Porto Alegre geraram incerteza.
“Tava uma certa confusão de informação. A gente não pensava na fábrica, e sim nos caminhões na rua”, diz Schafaschek.
Por precaução, a decisão foi parar tudo.
“Mandei desligar a planta e pedi que todo mundo voltasse pra casa. Às 18h, o último colaborador saiu com 30 centímetros de água na portaria. Ele teve que entrar num caminhão para conseguir sair.”
Na manhã seguinte, o cenário já era irreversível. “Sete da manhã de domingo, estávamos debaixo d’água. Em 34 anos de empresa, nunca vi isso. A água cobriu enchedoras, cabine de alta tensão, tudo. Era um mar dentro da fábrica.”
A primeira missão foi localizar os 1.500 colaboradores da unidade. “Ligamos, fomos atrás, mandamos segurança até as casas. Em duas semanas, conseguimos contato com todos. Não perdemos nenhuma vida. Era nossa maior preocupação naquele momento.”
O prejuízo não parou no maquinário. “Perdemos tudo. Produto, frota, estrutura. Era como se a operação tivesse sido apagada da noite pro dia.”
1/17 Imagem aérea de sobrevoo do presidente Lula em Canoas (RS) (Imagem aérea de sobrevoo do presidente Lula em Canoas (RS))
2/17 Homens movem pacotes em um barco através de uma rua inundada no centro histórico de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, em 14 de maio de 2024. Crédito: Anselmo Cunha / AFP) (Homens movem pacotes em um barco através de uma rua inundada no centro histórico de Porto Alegre)
3/17 Vista das áreas inundadas ao redor do estádio Arena do Grêmio em Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, tirada em 29 de maio de 2024. A água e a lama tornaram os estádios e sedes do Grêmio e Internacional inoperáveis. Sem locais para treinar ou jogar futebol, os clubes brasileiros tornaram-se equipes itinerantes para evitar as enchentes que devastaram o sul do Brasil. (Foto de SILVIO AVILA / AFP) (Vista das áreas inundadas ao redor do estádio Arena do Grêmio em Porto Alegre)
4/17 Vista aérea do centro de treinamento do Internacional ao lado do estádio Beira Rio em Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, tirada em 29 de maio de 2024. Foto de SILVIO AVILA / AFP (Vista aérea do centro de treinamento do Internacional ao lado do estádio Beira Rio em Porto Alegre)
5/17 Pessoas atravessam uma ponte flutuante para pedestres sobre o rio Forqueta, entre os municípios de Lajeado e Arroio do Meio, no Rio Grande do Sul, Brasil, em 21 de maio de 2024. O Rio Grande do Sul experimentou um desastre climático severo, destruindo pelo menos seis pontes e causando interrupções generalizadas no transporte. O exército respondeu construindo pontes flutuantes para pedestres, uma solução temporária e precária para permitir que a infantaria atravesse rios durante conflitos. (Foto de Nelson ALMEIDA / AFP) (Pessoas atravessam uma ponte flutuante para pedestres sobre o rio Forqueta)
6/17 Ana Emilia Faleiro usa um barco para transportar suprimentos em uma rua inundada em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, em 26 de maio de 2024. O estado sulista do Rio Grande do Sul está se recuperando de semanas de inundações sem precedentes que deixaram mais de 160 pessoas mortas, cerca de 100 desaparecidas e 90% de suas cidades inundadas, incluindo a capital do estado, Porto Alegre. (Foto de Anselmo Cunha / AFP) (Ana Emilia Faleiro usa um barco para transportar suprimentos em uma rua inundada em Porto Alegre)
7/17 Um homem limpa sua casa atingida pela enchente no bairro Sarandi, um dos mais atingidos pelas fortes chuvas em Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, em 27 de maio de 2024. Cidades e áreas rurais no Rio Grande do Sul foram atingidas por semanas por um desastre climático sem precedentes de chuvas torrenciais e enchentes mortais. Mais de meio milhão de pessoas fugiram de suas casas, e as autoridades não conseguiram avaliar completamente a extensão dos danos. (Foto de Anselmo Cunha / AFP) (Um homem limpa sua casa atingida pela enchente no bairro Sarandi)
8/17 Alcino Marks limpa corrimãos sujos de lama após a enchente no bairro Sarandi, um dos mais atingidos pelas fortes chuvas em Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, em 27 de maio de 2024. Esta é a segunda enchente histórica que Marks enfrenta aos 94 anos de idade. A primeira foi em 1941, quando ele morava no centro de Porto Alegre. Cidades e áreas rurais no Rio Grande do Sul foram atingidas por semanas por um desastre climático sem precedentes de chuvas torrenciais e enchentes mortais. Mais de meio milhão de pessoas fugiram de suas casas, e as autoridades não conseguiram avaliar completamente a extensão dos danos. (Foto de Anselmo Cunha / AFP) (Alcino Marks limpa corrimãos sujos de lama após a enchente no bairro Sarandi)
9/17 (Um trabalhador usa uma mangueira de alta pressão para remover a lama acumulada pela enchente)
10/17 (Destruição no RS após chuvas e enchentes)
11/17 Vista da estátua de José e Anita Garibaldi na inundada Praça Garibaldi, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, tirada em 14 de maio de 2024. Foto de Anselmo Cunha / AFP (Vista da estátua de José e Anita Garibaldi na inundada Praça Garibaldi)
12/17 Resgate de pessoas afetadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul, na Base Aérea de Santa Maria (RS). (Resgate de pessoas afetadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul, na Base Aérea de Santa Maria)
13/17 Eduardo Leite: “Faremos de tudo para garantir que a reconstrução preserve nossas vocações” (Eduardo Leite: “Faremos de tudo para garantir que a reconstrução preserve nossas vocações”)
14/17 Imagem aérea de sobrevoo do presidente Lula em Canoas (RS) (Imagem aérea de sobrevoo do presidente Lula em Canoas (RS))
15/17 (Imagem aérea da destruição no Rio Grande do Sul - Força Aérea Brasileira/Reprodução)
16/17 Vista aérea mostrando a estrada ERS-448 inundada em Canoas, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, em 13 de maio de 2024. Foto de Nelson ALMEIDA / AFP (Vista aérea mostrando a estrada ERS-448 inundada em Canoas)
17/17 (Vista aérea mostrando a estrada ERS-448 inundada em Canoas, no estado do Rio Grande do Sul)
Com a fábrica fora de operação, a Coca-Cola Femsa acionou o plano B. Dois centros de distribuição provisórios foram alugados em Gravataí e Cachoeirinha, e a produção foi redistribuída entre as outras fábricas da companhia no Brasil. “Tiramos tudo que podia das outras dez para suprir Porto Alegre.”
O volume perdido era significativo: 10 milhões de caixas por mês. “Santa Maria nos ajudou, mas é uma unidade menor. Transferimos parte da produção para SP, RJ, Minas, onde fosse possível. Contratamos fretes extras. Foi uma manobra nacional.”
Ainda assim, foi preciso buscar apoio fora do Brasil. “Importamos produto do Uruguai, da Argentina e até do Paraguai. A pet de 500 ml que apareceu aí foi feita fora. Reduzimos os SKUs pra garantir o básico: Coca, Coca Zero e água. Foi uma rede de solidariedade entre as operações do sistema Coca-Cola.”
A distribuição seguiu funcionando mesmo sem fábrica. “Abrimos dois CDs em duas semanas. É um recorde. Entregávamos água para comunidades, mantínhamos grandes redes abastecidas e apoiamos 360 funcionários impactados diretamente.”
Durante esse período, a Coca-Cola Femsa doou 1 milhão de litros de água e 1,5 milhão de reais em alimentos e itens essenciais. “A fábrica parou, mas o compromisso com a comunidade continuou. Era nossa responsabilidade.”
Fábrica da Coca-Cola Femsa em Porto Alegre: 80% da estrutura e do maquinário foram substituídos depois da enchente (Coca Cola Femsa/Divulgação)
A reconstrução foi feita com base em três pilares: manter os empregos, modernizar a fábrica e entregar no menor tempo possível. “Decidimos: ninguém será demitido. Quem limpava a lama virou parte do time de reconstrução.”
Ao todo, 80% da planta foi refeita. “Só sobrou piso, teto e três enchedoras de inox. O resto foi tudo trocado. Foram 675 milhões de reais em investimento direto. E mais uma fortuna em frete, salários e suporte durante os dez meses.”
As novas linhas de produção vieram de diferentes origens. “Três foram fabricadas em Caxias do Sul, pela São Martin. Uma veio da Alemanha — conseguimos redirecionar uma que ia para a Costa Rica. Duas vieram de São Paulo. Misturamos tudo para montar o que dava.”
A planta também ficou mais sustentável. “Nosso consumo de água caiu de 2,5 litros para 1,37 litro por litro de bebida. A meta agora é chegar em 1,26. Isso, multiplicado por bilhões de litros, é um impacto gigante.”
A lavadora de garrafas retornáveis foi substituída por uma de última geração. “Mais eficiente em água e energia. É parte da meta global de reduzir o impacto ambiental. Agora, temos mais robôs, mais automação e linhas mais produtivas.”
A retomada foi gradual. Em dezembro, a primeira linha começou a operar. Em janeiro, duas. Em março, a última entrou. “Em abril, já produzimos 6,2 milhões de caixas. Em maio, serão 7,5 milhões. Em junho, voltamos ao pleno.”
Enquanto isso, os funcionários passaram por treinamento técnico. “Aproveitamos o período sem produção para recapacitar todo mundo. São máquinas novas, tecnologias diferentes. A fábrica mudou completamente, e o time está pronto.”
Além da reconstrução da unidade, a Coca-Cola Femsa vai investir outros 211 milhões de reais em melhorias operacionais no Rio Grande do Sul ainda em 2024. “Seguimos apostando no crescimento, não apenas na recuperação”, diz Schafaschek.
A série de reportagens Negócios em Luta é uma iniciativa da EXAME para dar visibilidade ao empreendedorismo do Rio Grande do Sul num dos momentos mais desafiadores na história do estado. Cerca de 700 mil micro e pequenas empresas gaúchas foram impactadas pelas enchentes que assolam o estado desde o fim de abril.
São negócios de todos os setores que, de um dia para o outro, viram a água das chuvas inundar projetos de uma vida inteira. As cheias atingiram 80% da atividade econômica do estado, de acordo com estimativa da Fiergs, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul.
Os textos do Negócios em Luta mostram como os negócios gaúchos foram impactados pela enchente histórica e, mais do que isso, de que forma eles serão uma força vital na reconstrução do Rio Grande do Sul daqui para frente.
A NG.CASH, conta digital voltada para adolescentes e jovens adultos, quer expandir a oferta de produtos e deixá-los mais personalizáveis do que nunca
Companhia aérea vem retirando motores de novos jatos Airbus na Europa para usá-los em aviões parados nos EUA
Com planejamento, análise de lucro e foco em vendas digitais, a revenda de roupas usadas virou negócio lucrativo e flexível na vida de Breanna Lambert
A marca Freestyle Snacks surgiu como um projeto paralelo e, com gestão financeira, se tornou uma das startups de alimentos mais promissoras dos EUA